Há um mês fomos surpreendidos pela morte do menino Henry em sua casa, com lesões graves sugestivas de espancamento. Como ele estava na companhia da mãe e do padrasto, não foi muito difícil para a polícia suspeitar que um deles o matou. Após o enterro a mãe foi ao salão fazer pé, mão e cabelos, para aparecer bem nas fotos que se seguiriam ao evento macabro, e o padrasto sugeriu ao pai de Henry que virasse a página e fizesse outro filho, segundo divulgaram as mídias
Gosto sempre de ressaltar que não cabe a mim como médica julgar quem quer que seja, na minha profissão, observo, avalio a psicopatologia e trato quem deseja ser tratado, portanto o intuito desse artigo é apenas refletir sobre o trágico ocorrido, na esperança de que esse tipo de caso possa se tornar mais raro através de uma maior conscientização, engajamento e denúncias.
Infelizmente, 70% da violência cometida contra crianças ocorre dentro de casa, na maioria das vezes perpetrada por homens e geralmente com a omissão ou conivência das mães. Não é um fenômeno brasileiro, mas a nossa cultura machista e patriarcal contribui para que sejamos um dos países com maiores índices de violência contra vulneráveis.
Nesse caso, Henry vinha dando sinais de que estava triste, ansioso e com medo do padrasto. Chorava ao voltar da casa do pai, vomitava e chegou a se queixar das agressões físicas poucos dias antes de morrer. A babá contou para a mãe mas não formalizou uma denúncia aos orgãos competentes, a mãe não valorizou as queixas e não tomou qualquer atitude preventiva, então o desfecho trágico se consumou. Quando se trata de violência, não dá para adiar as providências cabíveis, não dá para imaginar que o agressor vai mudar de personalidade ou que o pior não irá acontecer, é preciso agir imediatamente, porque num dado momento um soco pode ser mortal. Henry não morreu por falta de avisos.
Várias pesquisas revelam que algumas mulheres são omissas ou coniventes com os abusadores ou agressores, por medo de perderem o status do casamento, a ajuda financeira, por terem uma cultura machista que permite ao homem agir de forma violenta, ou mesmo por receio de serem agredidas ou mortas também, o fato é que os danos causados por esse tipo de dinâmica familiar são devastadores e deixam marcas profundas em todos os envolvidos.
Já contamos com vários orgãos de proteção à criança e à mulher que atuam recebendo denúncias anônimas como o disque 100 e 180, além do 190 da polícia e devem ser acionados imediatamente após a mínima suspeita de violência. Fatos como esse, precisam ser cada vez menos tolerados.
“We are complicit when we look away”.