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A Verdade por trás das Fake News

   “O cérebro humano é um órgão complexo, com o fantástico poder de permitir que o homem encontre razões para continuar acreditando em qualquer coisa que ele queira acreditar”, disse o filósofo Voltaire.   

    Com o advento da internet, a mentira passou a ser difundida globalmente, com infinitas possibilidades e vem se sofisticando através de mecanismos digitais. As  Fake News, ou notícias mentirosas,  conquistaram status de ferramenta top10 de manipulação das massas  pelo mercado de negócios e em campanhas políticas, para alavancar indivíduos sedentos de poder. O uso de fake news  costuma arrebanhar milhões de seguidores fiéis, que compram gato por lebre e ainda são capazes de brigar  pela escolha desastrosa. 

   A mentira é um recurso humano usado desde os primórdios para esconder  fatos,  promover  ou denegrir alguém,  criar uma cenário conveniente,  destruir uma realidade inconveniente, aliviar dores emocionais e alimentar ilusões, enfim, uma potente ferramenta de manipulação e controle. Quem nunca foi enganado? 

   O fato é que a mentira sempre esteve presente  nas  relações interpessoais e ainda há quem prefira uma doce mentira à uma dura verdade.  Ao longo da trajetória da humanidade, há registros bizarros do uso da mentira, que culminaram com quedas de governantes, mortes de cidadãos comuns e mudanças drásticas do curso da história, como por ex, o julgamentos das Bruxas de Salém, entre 1692 e 1693, que levou à execução de 20 pessoas, decorrente da  circulação do livro Malleus Maleficarum, de 1487, que dizia que toda mulher tinha tendência a se tornar bruxa. Na ocasião, além das mulheres, homens foram torturados e queimados para confessar que voavam ou que tinham relações sexuais com o diabo. Já no século XX, ocorreu a farsa montada em setembro de 1937, quando o programa de rádio Hora do Brasil fez o anúncio de um plano que detalhava um golpe comunista contra Getúlio Vargas e em função disso, os direitos constitucionais foram suspensos. Na verdade, era uma mentira criada por Olímpio Mourão, ex-general do Exército brasileiro, para garantir a permanência de Vargas no poder e estabelecer o Estado Novo. Essa farsa, eliminou a democracia e matou incontáveis opositores da época.

    Mas quais são os eventos cerebrais que determinam as escolhas e por que se acredita mais em uma versão que em outra?

   A neurociência vem revelando que embora o homem  considere as escolhas como sendo racionais, os processos mentais envolvidos sofrem intervenções inconscientes através dos chamados vieses cognitivos. Somado a isso, existe a tendência de se usar processos mentais menos trabalhosos durante o julgamento das situações, devido a uma certa avareza mental.  O comportamento humano é determinado na maioria das vezes pelo  condicionamento pavloviano descrito pelo neuro fisiologista russo Ivan Pavlov, no qual o sistema nervoso aprende a associar um novo estímulo ou sinal com outro estímulo com que já estava acostumado, ou programado geneticamente a reagir. Pavlov apresentava aos cães um estímulo sonoro, seguido da oferta de um pedaço de carne, que em contato com a boca, provoca salivação. Ocorre  que após algumas associações, os animais passavam a salivar quando ouviam o som, ou seja, seus cérebros haviam associado os dois estímulos e aprendido que o alimento viria após o estímulo sonoro, e que portanto era hora de ativar as glândulas salivares. Pode-se imaginar que os cães também sentiam algum tipo de prazer antecipado quando ouviam o estímulo que anunciava a satisfação da sua fome. Sabe-se que esse mecanismo de aprendizagem está presente também tanto em invertebrados como nos cérebros mais sofisticados dos humanos.

   Os profissionais de marketing e propaganda utilizam esse mecanismo como ferramenta de persuasão quando associam vídeos de mulheres atraentes a marcas de cervejas, ou situações de sucesso a marcas de automóveis, que induzem a decisões de forma autônoma, muitas vezes contrariando uma decisão consciente. 

   A verdade é que o cérebro processa uma série de informações no cotidiano, sem a intervenção da consciência. O processamento inconsciente é a regra no processamento cognitivo, influencia pensamentos e ações conscientes sem que o indivíduo se dê conta disso, exatamente por não ter acesso a ele.

   As pessoas são suscetíveis a ilusões cognitivas, que mostram uma realidade distorcida por esses processos cerebrais automáticos, que levam a crenças, escolhas e decisões autônomas e resistentes ao pensamento racional.  Por isso, a  realidade percebida não tem relação direta com o mundo objetivo. 

   Os neurocientistas classificam dois tipos de processamentos cognitivos, Tipo 1 e Tipo 2. O processamento Tipo 1 é automático e instintivo, não exige grande demanda computacional,  é capaz de operar uma grande quantidade de informações ao mesmo tempo e não é exclusivo da espécie humana.  Já o processamento Tipo 2 não é autônomo e envolve a memória operacional, ou memória de trabalho, que permite manipular as informações necessárias para a execução de uma tarefa. Trabalha computando uma coisa de cada vez, por isso é mais limitado na sua capacidade de processamento, além  de requerer maior gasto de energia, o que em geral é aversivo ou desagradável, sendo evitado sempre que possível. 

    É interessante registrar que embora o controle exercido por T2 ocorra apenas em parte do tempo, geralmente as pessoas acreditam que é exercido de forma contínua, mesmo porque, sempre há uma criação de narrativa para dar coerência e sentido aos pensamentos.

   Outro aspecto interessante do funcionamento cerebral, que afeta as escolhas, é o fato de que o cérebro organiza as informações por meio de associações, então objetos, eventos e características vão se associando a outros, por similaridade, ou por contiguidade de ocorrência, que formam redes semânticas, em que cada nó se liga a outros nós, de acordo com as experiências de cada um. Portanto, cachorro pode estar associado a osso, igreja a padre, e assim sucessivamente. Esse itens se encontram disponíveis de forma consciente ou não, quando é preciso avaliar uma situação de risco, por exemplo, e consiste na memória explícita. Porém, é preciso ter muita atenção porque essas redes de navegação podem levar  a falhas de raciocínio, escolhas equivocadas e comportamentos indesejáveis, como o preconceito, por exemplo.

   Costuma-se dizer que uma mentira contada muitas vezes passa a ser tida como verdade, e isso tem sido largamente usado na forma de fake news ou propagandas enganosas. Segundo estudos, a familiaridade tende a inibir o pensamento crítico, por isso, o processamento T1 tende a acreditar e não recruta o processamento T2. Gostar do que é conhecido, ou familiar, tornou-se um padrão no funcionamento cerebral e está na origem de outro fenômeno, conhecido como “efeito halo”, que significa a tendência  de se generalizar as características de uma pessoa a partir de qualidades que sabem que ela possui, principalmente se a qualidade é positiva. Sabe-se que a pessoas bem-apessoadas são atribuídas outras qualidades positivas como competência, honestidade e generosidade. Por outro lado, a pessoas com características que não agradam,  tendem a ser vistas com desconfiança e sofrem com avaliações negativas.  Trata-se de um desvio cognitivo bastante comum e explorado por profissionais de propaganda e por políticos em campanha. 

    Outro viés cognitivo que contribui para a propagação de fake news, é o viés da confirmação que se caracteriza pela tendência de procurar interpretar os fatos de acordo com suas crenças, expectativas ou hipóteses disponíveis na ocasião.  Ele leva as pessoas a valorizar e prestar mais atenção aos fatos que se encaixam nas suas crenças àqueles que as desafiam. por isso, as evidências  que contrariam as suas crenças, são ignoradas. Esse viés, contribui para a manutenção de estereótipos. Um raciocínio equilibrado tenderia a avaliar as várias posições de forma equivalente, mas não é isso que acontece geralmente.

   Na verdade, no mercado e nas mídias, por exemplo, as pessoas são frequentemente ingênuas em um ambiente habitado por profissionais que tentam vender-lhes alguma coisa. Normalmente, a chance de se sair bem depende do quanto as pessoas têm experiência, boa informação e consciência desses processos mentais, requisitos geralmente não disponíveis.  

   Considerando que as decisões que tomamos diariamente podem ter uma influência enorme na direção das nossas vidas e   as escolhas coletivas  feitas pelas sociedades  têm o poder de alterar o destino da própria espécie humana e do planeta,  é de suma relevância que possamos compreender como avaliar as informações que recebemos diariamente e os mecanismos cerebrais que nos fazem acreditar em mentiras e até a propagá-las. 

   Portanto, não basta ser inteligente para ser racional ou tomar boas decisões, as pessoas devem desenvolver instrumentos para avaliar a racionalidade, de modo que seja possível determinar o seu desenvolvimento e promover com mais segurança as habilidades dessa forma de pensamento. Nesses novos tempos, essa habilidades deveriam fazer parte da formação dos indivíduos e incluídas no currículo escolar.

Fontes:

Por que não somos racionais, Ramon M. Cosenza.

Interseções entre Psicologia e Neurociências, J.Landeira-Fernandez, M Teresa Araujo Silva.

Neurociência da Mente e do Comportamento, Roberto Lent.

aventurasnahistoria.uol.com.br

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